Aqui neste post vou contar como a mente de uma pessoa com TDAH, a minha mente, funciona. Também vou explicar de forma simples o que é, além de comentar algumas curiosidades sobre o tema. Então, se você tá afim de saber mais sobre esse transtorno, entender como funciona ou apenas tem esperança de se reconhecer com o meu relato… Bom, você está no lugar certo. Sejam bem-vindos ao meu mundo.
São 10h 25min da manhã. Tá! Agora se concentra. É só fazer o bloquinho de inglês! Respira! Ééé… Date… Hoje é 2… não, 30 do 9 de 2021… Primeira questão…
Bem, para quem não entendeu, essa sou eu tentando estudar. Tem dias que são mais fáceis de se concentrar, já outros, nem tanto. Hoje, digamos que o “nem tanto” está vencendo. Porque, por mais que eu estivesse em um lugar consideravelmente tranquilo para estudar, minha cabeça já corria a mil por hora, falando mais alto do que as atividades que eu devia fazer. Mais alto do que o meu foco poderia suportar.
A pronúncia dessa palavra tá certa? É assim mesmo? Não, certeza que tem som de E, não I... Então, se eu traduzisse seria: "Soletra as palavras do bokos"... Meu Deus! De onde eu tirei essa palavra? Bokos! Que dia eu marquei para fazer o piercing? Aaah, eu tenho que decidir a fantasia da festa. Quando que vai ser mesmo? Acho que é dia 30. Deve cair no sábado! Nossa, que barulho estranho! Uma moto passa, o carro buzina, lembro da musiquinha de uma propaganda. VOLTA. A atividade. Foco nela.
Então, em menos de 2 minutos um turbilhão de pensamentos invadia minha mente. Mas, quem tem TDAH sabe, a gente respira e se esforça para se silenciar, focar naquilo que precisamos. E então, continuamos! Às vezes, conseguimos, mas às vezes estamos tão cansados que a única forma de conseguir focar é parar com tudo e dar um tempo. O que sinceramente, na maioria das vezes não dá muito certo para mim.
Como eu prometi explicar o TDAH, acho que essa é a hora certa para cumprir com a minha palavra. Até agora você leu o relato de uma mente um pouco dispersa. Então, que tal tentar entendê-la? O Déficit de Atenção/Hiperatividade ou simplesmente TDAH é um transtorno neurobiológico (INSTITUTO DE PSIQUIATRIA PAULISTA, 2019). No cérebro de quem tem esse distúrbio, existe uma estrutura que funciona de uma forma diferente do que o “comum”, ela não “trabalha” tão bem quanto deveria. Essa estrutura é denominada como Lobo Pré-Frontal, localizada na parte da frente do cérebro (como mostra a imagem 1).
|
Imagem 1 |
Dentro do Lobo Pré-frontal é localizado o Córtex Pré-Frontal. Essa área cerebral é responsável pela: atenção, emoções, comportamentos e decisões (Imagem 2). Como mencionei anteriormente, existem certas limitações em tal área. Isso porque no cérebro TDAH “existe uma disfunção da neurotransmissão dopaminérgica” (PEPSIC, 2010). Ou seja, existe uma disfunção na parte neurotransmissora relativa a dopamina. Se isso ainda não significa muito para você, pode ficar tranquilo! Vou tentar simplificar mais. O cérebro de todo ser-humano é formado por neurônios, células que são responsáveis por se comunicarem umas com as outras. Mas os neurônios não se encostam, existe um pequeno espaço entre eles, a sinapse. Então, como esses neurônios se comunicam? Cada neurônio produz seus próprios neurotransmissores, como se fossem sinais de wi-fi. Assim, mesmo sem se encostar, os neurônios emitem e recebem os sinais entre si. Cada neurônio emite sinais de vários tipos de neurotransmissores, dentre eles a dopamina. No cérebro TDAH, percebe-se uma disfunção relativa a baixa atividade de transmissão sináptica na região pré-frontal do córtex. Traduzindo: os neurônios emitem vários sinais de wi-fi, no entanto, o sinal do wi-fi da dopamina tá bugado, tá fraco, não chega nos outros neurônios. Isso é um descontrole biológico. Por isso existe o Déficit de Atenção/Hiperatividade! Por causa desse diferente funcionamento, várias pessoas ao redor do mundo têm dificuldade em se concentrar ou, simplesmente, ficar sem se mexer.
|
Imagem 2 |
Quando falo “várias pessoas ao redor do mundo” você pode ter certeza que não é exagero enfatizar o várias. Há inúmeros dados que demonstram isso. Aproximadamente 4% da população adulta mundial tem o Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Desse número, 2 milhões vêm do Brasil. Isso sem contar com a população infantil. Cerca de 5% das crianças e adolescentes do mundo têm TDAH.
Irresponsável, avoado, burro, descontrolado, impulsivo, atrapalhado, confuso, incapaz, preguiçoso… Se você tem TDAH provavelmente já deve ter ouvido alguém usando essas palavras para se referir a você. Mas, nem todas elas definem quem realmente somos. A verdade é que nenhuma dessas palavras consegue descrever por completo “as nuances" de um cérebro com TDAH (ESTEVES, 2012). Obviamente, existem certos padrões nas pessoas com esse transtorno, mas nem todos são iguais. Por exemplo, meninos com TDAH tendem a demonstrar mais hiperatividade do que meninas com esse mesmo déficit. No entanto, não podemos generalizar. Cada caso é um caso!
Segundo o site da ABDA, O déficit de atenção/hiperatividade é dividido em três subcategorias, sendo elas: predominantemente desatento, predominantemente hiperativo-impulsivo, mista. Essas categorias são classificadas de acordo com a intensidade: leve, moderada e grave. Essas classificações se dão através dos sintomas apresentados pelo portador. No total são 18 sintomas (disponibilizados em um anexo). Desses, 9 são relacionados à desatenção, 6 são relativos à hiperatividade e 3 à impulsividade. A base do diagnóstico médico é desenvolvida a partir da frequência e quantidade de sintomas presentes no paciente.
Obviamente, é mais fácil reconhecer e diagnosticar aqueles que têm graus mais elevados, pois o índice de externalização da hiperatividade é evidente. Por isso, meninos com TDAH geralmente são diagnosticados antes de meninas com TDAH, se comparados. Como mencionei anteriormente, os meninos tendem a demonstrar mais hiperatividade, então, as pessoas à volta deles conseguem perceber mais facilmente e acabam procurando ajuda de profissionais. Logo, as meninas por não demonstrarem de forma tão evidente a necessidade de ajuda e orientação, acabam sofrendo em silêncio. O transtorno passa despercebido e o tratamento demora a chegar ou, em muitos casos, nem chega.
Com a ajuda de profissionais e o apoio da família, as dificuldades que o TDAH causa podem ser reduzidas drasticamente. Ao ponto de serem insignificantes. Por isso é importante a divulgação desse assunto. O TDAH tem tratamento! E por experiência própria posso falar que o tratamento pode melhorar muito a qualidade de vida das pessoas. Só de entender como nossa mente funciona já é uma grande ajuda. O déficit de atenção/hiperatividade não precisa ser um sofrimento! Ele pode ser uma pedra gigantesca no seu caminho, assim como, pode ser uma pequena e inofensiva pedra a qual você pega e carrega consigo. Tudo depende de como você lida com a situação!
Curiosidades!
(Sim, finalmente chegamos a esse tópico.)
● O TDAH não é uma doença, mas sim uma síndrome.
● Atualmente, cientistas afirmam a existência de mais de 100 neurotransmissores. (VITTUDE, 2018)
● “Estima-se que um em cada 20 adultos apresente sintomas suficientes para ser diagnosticado com TDAH.” (SUPERINTERESSANTE, 2012)
● Em 1902, na Inglaterra, se dá a primeira aparição já registrada do TDAH. Na época acreditavam que esse distúrbio era um defeito de controle moral. George Still foi o médico responsável pelo diagnóstico e descrição, sendo assim o primeiro médico na história a diagnosticar e descrever o TDAH. (PEPSIC, 2010)
● O TDAH foi diagnosticado, consequentemente descoberto, há 119 anos atrás.
● “Um estudo de 2012 estimou que o impacto da doença na produtividade dos EUA era de até US$ 138 bilhões por ano, com mais 56 bilhões no tratamento.” (SUPERINTERESSANTE, 2012)
● A prática de atividade física pode reduzir os sintomas do TDAH. Quando estamos nos exercitando o cérebro libera neurotransmissores chamados de dopamina e serotonina. Esses agem de forma semelhante aos medicamentos usados durante o tratamento. Para quem tem hiperatividade, essa pode ser uma forma de gastar toda essa energia extra. Além de estimular o foco. (GIROTTO, 2017)
● Além da atividade física, existem outras formas naturais as quais podem auxiliar muito no tratamento. Como: O cuidado com a alimentação; a organização do local de estudo/trabalho, meditação e técnicas de relaxamento, como a acupuntura. (TUASAÚDE, 2021)
● O TDAH pode ser causado por diversos fatores. Sendo eles: a genética, substâncias ingeridas na gravidez, sofrimento fetal, eventos traumáticos, exposição ao chumbo, etc.
● Em um estudo é mostrado que 60% das crianças com TDAH têm um dos pais com o mesmo déficit. E que a probabilidade de uma criança ter TDAH pode aumentar até oito vezes quando os pais também têm esse transtorno. Como mencionei acima, o tdah pode ser causado de forma genética e hereditária. (ZENKLUB, 2021)
● O déficit de atenção/hiperatividade não tem cura, no entanto, os sintomas podem ser drasticamente reduzidos com o tratamento adequado.
● Os profissionais mais adequados para o diagnóstico de um paciente com TDAH são o psiquiatra e o neurologista. No entanto, para o tratamento, o ideal é haver uma equipe multidisciplinar, ou seja, o paciente deve, em algum momento, ter o acompanhamento de certos profissionais, como: psicopedagogo, psicoterapeuta, psiquiatra, etc. Para o tratamento é necessário um trabalho em equipe, envolvendo os pais, o paciente e os profissionais adequados para o caso.
● Nem todos os pacientes precisam dos mesmos acompanhamentos médicos, isso pode variar entre os casos conforme o diagnóstico dado.
Referências:
BRANDAO, Rui. TDAH: conheça os sintomas, causas e tratamento. Zenklub, 2021. Disponível em:
RAMIREZ, Gonzalo. Como é feito o tratamento para TDAH. Tuasaúde, 2021. Disponível em:
GIROTTO, Paula. Atividade Física Para Crianças Com TDAH. Dra.Paula Girotto, 2017. Disponível em:
TDAH já atinge cerca de 2 milhões de pessoas no Brasil. Tribuna de Ituverava, 2019. Disponível em:
TDAH: o transtorno que atinge crianças e adultos. Psiquiatria Paulista, 2019. Disponível em:
ESTEVES, Samuel. Como são o cérebro e a vida de uma pessoa com TDAH. Superinteressante, 2012. Disponível em:
OLIVEIRA, Marcelo. Lobos Cerebrais. InfoEscola, 2021. Disponível em:
ROSETTE. Qual é a diferença entre o córtex pré-frontal e o lobo frontal? CorujaSabia, 2020. Disponível em:
PIMENTA, Tatiana. Conheça todos os tipos de neurotransmissores e saiba porque eles são importantes para sua saúde. Vittude, 2018. Disponível em:
SARDINHA, Vanessa. Dopamina. Mundo Educação. Disponível em:
Concentração e atenção e o nosso amigo Córtex Pré-Frontal. Blog Exame de Ordem, 2013. Disponível em:
NOGUEIRA et al. A FUNCIONALIDADE DOS NEUROTRANSMISSORES NO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE (TDAH). Revista Saúde em Foco, 2019. Disponível em:
Créditos da imagens:
Imagem 2. Disponível em:
Comentários
- Rafaella 8anoC